domingo, 18 de dezembro de 2011

Todos os Dias



     Estava confortavelmente sentada, naquela poltrona larga de couro entre os sofás, na sombra da parede ao lado da janela. Desconcentrei-me por um momento do livro que lia e ao olhar para frente vi a mesma figura de todos os dias, mas a cada dia de uma forma diferente.
     Semblante sério, mas com os olhos ternos. Sempre concentrado em algo com ar curioso ou, na maioria das vezes, empenhado. Era “sua” hora do dia, que na verdade, não tinha hora para acontecer. Era quando mais gostava de observá-lo, pois sabia que ali, era ele e somente ele. Mil pensamentos poderiam vir à mente, mas sempre me recordava de como tudo começou, só para não me perder no tempo e esquecer como foi que chegamos ali, pois o que importa mais do que os começos?
   Não sei ao certo quantos invernos já haviam passado (gosto de falar deles já que são a estação preferida), mas sei que, os últimos de que me lembro com maior apego, já estava ali, vendo todo dia a mesma cena, de forma de diferente.
  Ficção, ação, romance, comédia, literatura de tudo um pouco nossas paredes tinham. Foi um sonho, dentre muitos, realizado. Cores claras nestas paredes, mas uma sempre com mais cor mais intensa, pois uma marca inconsciente sempre foi intensidade com suavidade. Como foi que decidimos tudo aquilo? Nem sei, hoje sinceramente não faz diferença.
    Impressos nos olhos, tínhamos algumas marcas, nem ligo, pois me lembro de como conquistei todas elas com cada sorriso. Sempre me lembro dos detalhes mais estranhos. Como quando tínhamos medo de não tentar e jogar isso que temos hoje no ar, como era estranha a sensação de culpa misturada com estranha alegria de estar fazendo errado o que algo, em meu ser, achava ser o certo. Por quanto tempo as coisas fluíram bem, por quanto tempo tudo aconteceu longe dali, longe daquele semblante tão conhecido que nunca antes tinha visto? Como pude não reconhecê-lo?
    Demorei tempos para me acostumar com a ideia de que o que para uns era algo errado de se fazer de errado nada tinha. Demorei para conseguir preencher meus sentimentos com essa ideia tão firme que eu fazia questão de fazer parecer vazia. Quanto tempo demorei? Sabe, não foram nem meses!
E os meses passaram revelando um passado de décadas a cada ano que se seguia. Cada descoberta não era assim denominada, pois para mim pouca coisa tinha de novo, eram mais redescobertas. Redescobri um rosto, um lugar, um sentimento e muitas emoções. Redescobri porque cobrava tantas palavras que nunca tive e percebi que não era de palavras que precisava.
    Mergulhada em meus pensamentos já não olhava. A imagem diante dos meus olhos era desfocada e via apenas borrões coloridos, banhados pela luz tênue do sol ao entardecer que molhava o centro daquela ampla sala. Quando procurei meu objeto de meditação não o vi, se quer o vi sair dali. Engraçado que nem me perguntei onde estava, pois parecia, como sempre, que a presença dele vibrava e então sabia que na casa estava.
     Era, ainda é e creio que sempre será estranha essa sensação de saber sem que ninguém me diga, sem que eu ouça uma única vez esta afirmação. É algo que está inserido no que sou, em minha essência. Por vezes já nos encontramos e eu sei, sei sim porque sinto isso muitas vezes e é algo que não da para confundir. Me peguei imóvel outra vez e quando voltei à mim o vi.
    Estar com ele, apenas para constar, não é apenas um conto de amor. Aprender, ensinar e reciclar é o que fizemos. Compartilhamos tudo que sabíamos conosco e com o mundo, nos encantando juntos com as novidades em nossas vidas, com os aprendizados em comum.
    Não é, nem nunca foi algo que nos tirasse da realidade para esquecermos as condições desta vida, ao contrário, fazíamos questão de nos colocar com os pés firmes no chão e nunca passar por cima dos objetivos que todo ser humano deve alcançar.
     E então, vendo que já pensara demais, se levantou, com aquele sorriso firme e os olhos fixos nos meus. Os dele, cor de avelã, e os meus, escuros como mogno, se cruzaram e nada foi dito. Apenas um abraço que selava ali o começo, um novo começo, o começo que teríamos a cada dia, a cada vez que nos reencontrássemos.
    Saímos então andando e conversando, pois não podíamos demorar. Fazia tempo que não o via e como era bom conversar, rir junto dele e poder dizer bobo sempre que fizesse algo que me encabulasse ou que o deixasse na situação de quem não sabe o que diz.
    Mal sabia que eu que sua resposta para minha afirmação um dia seria “Linda!”.

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