Estava confortavelmente
sentada, naquela poltrona larga de couro entre os sofás, na sombra da parede ao
lado da janela. Desconcentrei-me por um momento do livro que lia e ao olhar
para frente vi a mesma figura de todos os dias, mas a cada dia de uma forma
diferente.
Semblante sério, mas com
os olhos ternos. Sempre concentrado em algo com ar curioso ou, na maioria das
vezes, empenhado. Era “sua” hora do dia, que na verdade, não tinha hora para
acontecer. Era quando mais gostava de observá-lo, pois sabia que ali, era ele e
somente ele. Mil pensamentos poderiam vir à mente, mas sempre me recordava de
como tudo começou, só para não me perder no tempo e esquecer como foi que
chegamos ali, pois o que importa mais do que os começos?
Não sei ao certo quantos
invernos já haviam passado (gosto de falar deles já que são a estação
preferida), mas sei que, os últimos de que me lembro com maior apego, já estava
ali, vendo todo dia a mesma cena, de forma de diferente.
Ficção, ação, romance,
comédia, literatura de tudo um pouco nossas paredes tinham. Foi um sonho,
dentre muitos, realizado. Cores claras nestas paredes, mas uma sempre com mais
cor mais intensa, pois uma marca inconsciente sempre foi intensidade com
suavidade. Como foi que decidimos tudo aquilo? Nem sei, hoje sinceramente não
faz diferença.
Impressos nos olhos,
tínhamos algumas marcas, nem ligo, pois me lembro de como conquistei todas elas
com cada sorriso. Sempre me lembro dos detalhes mais estranhos. Como quando
tínhamos medo de não tentar e jogar isso que temos hoje no ar, como era
estranha a sensação de culpa misturada com estranha alegria de estar fazendo
errado o que algo, em meu ser, achava ser o certo. Por quanto tempo as coisas
fluíram bem, por quanto tempo tudo aconteceu longe dali, longe daquele
semblante tão conhecido que nunca antes tinha visto? Como pude não
reconhecê-lo?
Demorei tempos para me
acostumar com a ideia de que o que para uns era algo errado de se fazer de
errado nada tinha. Demorei para conseguir preencher meus sentimentos com essa
ideia tão firme que eu fazia questão de fazer parecer vazia. Quanto tempo
demorei? Sabe, não foram nem meses!
E os meses passaram revelando
um passado de décadas a cada ano que se seguia. Cada descoberta não era assim
denominada, pois para mim pouca coisa tinha de novo, eram mais redescobertas.
Redescobri um rosto, um lugar, um sentimento e muitas emoções. Redescobri
porque cobrava tantas palavras que nunca tive e percebi que não era de palavras
que precisava.
Mergulhada em meus
pensamentos já não olhava. A imagem diante dos meus olhos era desfocada e via
apenas borrões coloridos, banhados pela luz tênue do sol ao entardecer que
molhava o centro daquela ampla sala. Quando procurei meu objeto de meditação não
o vi, se quer o vi sair dali. Engraçado que nem me perguntei onde estava, pois
parecia, como sempre, que a presença dele vibrava e então sabia que na casa
estava.
Era, ainda é e creio que
sempre será estranha essa sensação de saber sem que ninguém me diga, sem que eu
ouça uma única vez esta afirmação. É algo que está inserido no que sou, em
minha essência. Por vezes já nos encontramos e eu sei, sei sim porque sinto
isso muitas vezes e é algo que não da para confundir. Me peguei imóvel outra
vez e quando voltei à mim o vi.
Estar com ele, apenas para
constar, não é apenas um conto de amor. Aprender, ensinar e reciclar é o que
fizemos. Compartilhamos tudo que sabíamos conosco e com o mundo, nos encantando
juntos com as novidades em nossas vidas, com os aprendizados em comum.
Não é, nem nunca foi algo
que nos tirasse da realidade para esquecermos as condições desta vida, ao
contrário, fazíamos questão de nos colocar com os pés firmes no chão e nunca
passar por cima dos objetivos que todo ser humano deve alcançar.
E então, vendo que já
pensara demais, se levantou, com aquele sorriso firme e os olhos fixos nos
meus. Os dele, cor de avelã, e os meus, escuros como mogno, se cruzaram e nada
foi dito. Apenas um abraço que selava ali o começo, um novo começo, o começo
que teríamos a cada dia, a cada vez que nos reencontrássemos.
Saímos então andando e
conversando, pois não podíamos demorar. Fazia tempo que não o via e como era
bom conversar, rir junto dele e poder dizer bobo sempre que fizesse algo que me
encabulasse ou que o deixasse na situação de quem não sabe o que diz.
Mal sabia que eu que sua
resposta para minha afirmação um dia seria “Linda!”.
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